10.8.13

Incompetência crônica

Para ser sincero, sou franco-atirador. Disparo palavras de espoleta do meu revólver de brinquedo e frases do meu arco de flechas quebradas contra o muro porque não sei fazer de outro modo.

Pode parecer infantil. E, com ou sem certeza, é. Um prolongamento das matinés ou do momento posterior a elas, quando a gurizada saía pelas ruas a imitar o bandido e o mocinho do filme visto há poucos minutos com toda a euforia que só a criancisse – e mais adiante, se você chegar lá, a demência - permitem.

Confesso: já fui ingênuo o suficiente para tentar o murro. Imediatamente, minhas mãos imploraram que eu juntasse suas palmas e prometesse, com a concordância dos joelhos dobrados e dos pés juntos, nunca mais cometer esse desatino. Doi, seu burro, disseram-me elas. Tive de admitir.

Não sei mentir de verdade. Isso exigiria o talento de subir ao palco e interpretar o texto com tal desenvoltura e expressão corporal que o resultado seria o maravilhoso aplauso histérico dos ludibriados. Bravíssimo, mas não para mim.

E descobri cedo a ausência de talento. No colégio, jogaram-me em uma peça teatral. Em determinado momento, eu deveria beijar a minha bela adormecida prima, de tez alva e pura, caída ao chão, com sua vestimenta entreaberta, exibindo a promessa de tenros seios, mas já ostentando rosáceos mamilos. Encostei minha boca junto a dela, deixei a língua escorrer, comecei a sugar aqueles lábios rubros, úmidos e carnudos e, ao mesmo tempo, levei a mão a um daqueles seios ainda em brotação. Claro que ela despertou e, furiosa, meteu-me a mão delicada no rosto. Foi o único estalo próximo a um aplauso que ouvi. Já antes dos 10 anos de idade, minha carreira de artista acabara porque eu não soubera ocultar o que sentia, porque eu não tinha o dom da interpretação, porque eu não sabia mentir.

Mais ou menos na mesma época, lá estava eu entre os graves de um coral, desconfortavelmente enfiado em um uniforme que continha uma gravata bordô com uma clave de sol amarela bordada, quando resolvi colocar pitada de sal politicamente incorreto no refrão da música, que era algo mais ou menos assim. Trabalha negro, trabalha, trabalha negro, trabalha, vai trabalhar, vagabundo.

Eu concordei com o maestro. Melhor ficar na plateia, calado, na minha poltrona. A contemplação me entregava em mãos a oportunidade de investigar onde estaria a tal da verdade ou algo do gênero que tanto parecia me atrair. Caso não a encontrasse ou então fosse ela muito forte para ser pronunciada, eu poderia usar do recurso da imaginação para mexer em seus ingredientes. Gostei dessa alquimia. Aonde quer que fosse, não era o platô do palco que procurava, era sempre a planície da plateia. Por ali eu ficava, esperando a deixa para dar aqueles tiros que aprendi no escurinho do cinema e que trouxe para a claridade que tudo ofusca. Pelo menos a quem não aprendeu o ofício da observação.


Um pouco depois da matiné, do seio da prima e do coral, eu percebi que via coisas que não deveria contar. Foi quando comecei a escrever.

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