Para ser sincero, sou
franco-atirador. Disparo palavras de espoleta do meu revólver de brinquedo e
frases do meu arco de flechas quebradas contra o muro porque não sei fazer de
outro modo.
Pode parecer
infantil. E, com ou sem certeza, é. Um prolongamento das matinés ou do momento
posterior a elas, quando a gurizada saía pelas ruas a imitar o bandido e o mocinho
do filme visto há poucos minutos com toda a euforia que só a criancisse – e
mais adiante, se você chegar lá, a demência - permitem.
Confesso: já fui
ingênuo o suficiente para tentar o murro. Imediatamente, minhas mãos imploraram
que eu juntasse suas palmas e prometesse, com a concordância dos joelhos
dobrados e dos pés juntos, nunca mais cometer esse desatino. Doi, seu burro,
disseram-me elas. Tive de admitir.
Não sei mentir de
verdade. Isso exigiria o talento de subir ao palco e interpretar o texto com
tal desenvoltura e expressão corporal que o resultado seria o maravilhoso
aplauso histérico dos ludibriados. Bravíssimo, mas não para mim.
E descobri cedo a
ausência de talento. No colégio, jogaram-me em uma peça teatral. Em determinado
momento, eu deveria beijar a minha bela adormecida prima, de tez alva e pura,
caída ao chão, com sua vestimenta entreaberta, exibindo a promessa de tenros
seios, mas já ostentando rosáceos mamilos. Encostei minha boca junto a dela,
deixei a língua escorrer, comecei a sugar aqueles lábios rubros, úmidos e
carnudos e, ao mesmo tempo, levei a mão a um daqueles seios ainda em brotação.
Claro que ela despertou e, furiosa, meteu-me a mão delicada no rosto. Foi o
único estalo próximo a um aplauso que ouvi. Já antes dos 10 anos de idade,
minha carreira de artista acabara porque eu não soubera ocultar o que sentia,
porque eu não tinha o dom da interpretação, porque eu não sabia mentir.
Mais ou menos na
mesma época, lá estava eu entre os graves de um coral, desconfortavelmente
enfiado em um uniforme que continha uma gravata bordô com uma clave de sol amarela
bordada, quando resolvi colocar pitada de sal politicamente incorreto no refrão
da música, que era algo mais ou menos assim. Trabalha negro, trabalha, trabalha
negro, trabalha, vai trabalhar, vagabundo.
Eu concordei com o maestro.
Melhor ficar na plateia, calado, na minha poltrona. A contemplação me entregava
em mãos a oportunidade de investigar onde estaria a tal da verdade ou algo do
gênero que tanto parecia me atrair. Caso não a encontrasse ou então fosse ela
muito forte para ser pronunciada, eu poderia usar do recurso da imaginação para
mexer em seus ingredientes. Gostei dessa alquimia. Aonde quer que fosse, não
era o platô do palco que procurava, era sempre a planície da plateia. Por ali
eu ficava, esperando a deixa para dar aqueles tiros que aprendi no escurinho do
cinema e que trouxe para a claridade que tudo ofusca. Pelo menos a quem não aprendeu
o ofício da observação.
Um pouco depois da
matiné, do seio da prima e do coral, eu percebi que via coisas que não deveria
contar. Foi quando comecei a escrever.
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