17.6.13

Com violência e sem noção


O movimento começa tranquilamente. É possível ver nos rostos, nos corpos, no andar dos jovens manifestantes. Os olhos brilham como estrelas, o corpos expressam ideais, as bocas expelem felicidade e palavras de ordem, os pés não pisam o asfalto, mas um momento histórico.

A população aplaude, exibe faixas, grita,  assopra vuvuzelas e até bate tambores de aprovação. Num viaduto, um caminhoneiro dá um novo uso a sua buzina e conversa estridentemente com os manifestantes. Alguns correm felizes para fotografar o histórico diálogo.

Entretanto, nem tudo são flores para se apontar para o policial militar. Entre eles é possível perceber os afoitos. Eles estão com o rosto coberto por camisetas, correm pra lá e pra cá, nervosamente, procurando alguma coisa. E encontram. Paredes para pichar, lixeiras para jogar no chão, vitrines para quebrar. Os manifestantes mantêm sua fé pacífica e gritam pela paz.

É inútil. O único gesto contra os que deturpam a sua pretensão histórica é gritar pela paz. Uns tentam impedir os vândalos, mas é quase impossível detê-los sem utilizar a força. E os manifestantes detestam a força.  O máximo que conseguem fazer é recolocar no lugar as lixeiras derrubadas pelos vândalos. Os cenhos, então, se fecham, os olhares entristecem, a juventude se enruga de ansiedade. Eles nada podem fazer contra os depredadores, que agem sem repressão alguma, já que a polícia está distante, esperando-os em outro ponto do trajeto.

O anarquismo de suas ideias se estende à organização romântica, voluntariosa, improvisada. Se há uma coordenação central, ela se perde logo. O andar da carruagem histórica os empurra para uma evolução sem controle. A maioria não sabe para onde vai, desconhece o percurso e o destino. Mesmo que eles gritem insistentemente que o movimento é sem violência, aquelas ruas sem trânsito não formam um deserto, mas o desfiladeiro que leva a um campo de batalha.  

E eis que eles chegam lá. O efetivo da polícia militar é de guerra. Há de tudo. E não leva muito tempo para que ela faça o que está planejado. Tiros, bombas, correria, cavalos, tiros, bombas, mais correria, mais tiro, mais bombas.

Não se dispersem, não corram, fiquem juntos, essas são as palavras que os manifestantes gritam uns para os outros, demonstrando que têm uma tática para enfrentar o inimigo. Mas a polícia age com um vigor cada vez maior. Os manifestantes são encurralados em diferentes locais. Muitos desistem, tomados de medo. O cenário muda completamente. Os olhos se apagam, os corpos estão tensos, os pés parecem de atletas queimando a risca, prontos para correr.

A confusão é geral. Embora continuem gritando pela não violência, o movimento não parece um só. Os que ocupam sua vanguarda, próximos aos policiais, reagem violentamente. Eis a batalha que os mais ingênuos talvez pressentissem, mas não desejavam. É incompreensível. Aqueles jovens cidadãos que saíram às ruas para protestar e falar com a população, para mostrar a ela sua indignação e ouvir o que ela tem pra dizer são tratados como seres que merecem balas de borracha, jamais respeito. E boa parte deles aceita o rótulo e revida.

A população verá tudo isso pelo lado de fora, certamente sem entender muito bem por que tudo isso acontece, lamentando a violência de um lado e de outro. Mas quando a manifestação sair às ruas outra vez, ela estará nas janelas gritando, exibindo cartazes, assoprando vuvuzelas, batendo tambores. A população sente que a emoção que os jovens despejam nas ruas não mereceria ser tratada dessa forma. Embora alguns deles estejam ali apenas para participar de um game real, a maioria quer dizer que não aceita o atual estado das coisas. E as autoridades, que foram escolhidas para gerir, entre outras coisas, esses conflitos,  ao escolher apenas a força para detê-los diz claramente que a manifestação tem razão. Com violência e sem noção, um Estado se torna estúpido, estéril e, se todos não se desviarem das balas, assassino.

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