12.6.13

Retrato do publicitário quando vintage

Antes de mais nada, seria recomendável solicitar desculpas a James Joyce e a Oscar Wilde, mas como eles não estão presentes e não consta nos autos que entendessem português, o trocadilho do título fica. As desculpas é que devem se retirar do recinto. A Literatura – sacou a caixa alta? – me entenderá. Vamos ao que me interessa.

Quando o publicitário chega em certa idade, deve encarar um novo briefing, que não vem de lá pra cá, mas surge tal e qual incômodo desarranjo interno: é hora de tratar de transformá-la - a idade – em algo a seu favor ou será apontado pelo algoz mercado para subir ao cadafalso. É hora de se transformar em vintage. Prazo: antes de ontem.

Você pode argumentar que seu currículo, seu portfolio, sua expertise e sua esperteza não permitirão que isso aconteça. Blefe. Pegue mais cartas e continue na mesa. Primeiro passo: mire-se detalhadamente no espelho. Se você não tem cabelo colorido ou raspado de um lado, não usa tatoos e uma mescla de roupas de brechó com peças de marca, prepare-se para um redesign. Os elementos decorativos não são apenas esses, há uma longa lista que segue tendências. Descubra quais deverá usar depois de encarar o reflexivo objeto que devolve a sua própria imagem. O conteúdo deverá continuar o mesmo; o layout, jamais. Para ser fiel ao que você é, recomenda-se guardar um outro retrato, como o de Dorian Gray, para consultas em momentos de crise de RG.

A descoberta dessa fórmula veio da análise profunda e sincera do meu briefing. Cenário: layout datado, redução de convites para almoçar com a galera, número crescente de oportunidades de trabalho que grifam o júnior, pretensão salarial encarada como arrogância e extrema dificuldade de gritar “uhúúú!!!” com convicção para sublinhar espontaneidade criativa. Como não está morto quem é espada, fui à esgrima. Ideia: pintar os cabelos em RGB – o mundo do CMYK está em franca decadência -, comprar All Star de múltiplas cores, calças com longos fundilhos, óculos Woody Alen, um iParaguai, fazer tatoos mitológicas e a cereja bolo: um gigantesco fone de ouvido colorido para ouvir loundices.

Você pode argumentar, dessa vez, que o custo do investimento não compensa o benefício. Agora você não blefou, só não percebeu os atalhos do mercado ou usa as referências erradas para seguir o pensamento em curso. Uma palavrinha mágica: camelô. Fui até um deles. Entreguei a minha lista de compras. Ele me olhou, apontou a mão na minha direção com o indicador e o polegar em ângulo de 90 graus, disse que eu só poderia ser publicitário e me estendeu um kit com tudo o que eu desejara. Juntar tudo na sacola custa um certo dinheirinho, mas entrar numa sala para uma entrevista de trabalho e ver o semblante do cara que vai falar com você aprovando o conteúdo apenas pela forma, ah, não terá preço.

Se você leu este texto até aqui, provavelmente está nessa situação - os que não se encontram nela o abandonaram lá na primeira barricada. Se você gostou da ideia, mas o recurso logístico do camelô soou brega, vou compartilhar algo que você vai curtir. Sabendo dos tantos colegas que se deparam com esse solitário desafio, antecipei-me e pedi um cartão ao vendedor de bugigangas. Para que você não pague o mico de ser visto se esgueirando por um camelódromo, ele oferece o serviço delivery, que nada mais é do que a boa e velha entrega à domicílio, com crase errada e tudo. Topa? Se não der certo, tentamos o teatro, meu velho.






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